“Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia.” Essa amarga e incisiva frase pode ser encontrada no romance Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalom. Sem entrar especificamente no contexto da obra, essa citação nos leva a refletir sobre o ser humano da pós-modernidade; ilhado, isolado mesmo em meio ao caos, refém e sequestrador da liberdade moldada pelas redes sociais.
Cada vez mais, as pessoas deixam de valorizar a solidão, não aquela que assola e deprime, mas aquela que oferece o tempo de reflexão, de ajuste, de estar presente no momento. Precisamos fazer coisas o tempo todo, e é bem provável que, ao terminar esse parágrafo, você confira as suas mensagens. Isso nos leva a um outro ponto sensível, as novas tecnologias. Jantares em família com pessoas de cabeça baixa mexendo em seus smartphones são comuns e também não são raros os momentos em que alguém lhe rouba o sossego e lhe oferece uma companhia vazia, delimitada por um pescoço curvo e um aparelho em mãos. Nesse ponto, voltamos à frase de Yalom. Por que cultivar uma vida vazia e preencher as lacunas com frivolidades?
Quando percebemos que adultos são cativos desse processo, o que pensar das crianças e adolescentes? Ora, uma análise dos impactos sobre as habilidades sociais dos jovens não pode levar em conta apenas o contexto da pandemia, existe um cenário anterior. Por outro lado, não podemos condenar as novas tecnologias, elas são essenciais para um desenvolvimento coerente com as premissas do mundo atual. O problema reside na dissensão pré-pandemia em relação ao uso de ferramentas que já eram uma realidade. Educadores e escolas, em geral, apresentavam forte resistência ao uso de muitos recursos que já estavam nas mãos dos educandos, ou seja, muitas vezes, se perdeu a oportunidade de transformar em ferramenta educativa elementos tecnológicos do cotidiano. O que fizemos na pandemia? Administramos uma dose cavalar de todos esses recursos – não apenas para os alunos e alunas, mas para toda a comunidade escolar. E o que fazer agora? Construir um equilíbrio.
Obviamente não podemos e nem devemos retornar ao ponto anterior, no qual perdíamos a oportunidade de fazer bom uso de muitos recursos, tampouco podemos negar que o exacerbado uso durante a pandemia também trouxe impactos negativos. Esse é o momento de escolas e pais/responsáveis mostrarem domínio e assertividade. Escola e Família são instituições educadoras, portanto, suas ações são complementares. O smartphone, por exemplo, é apenas um aparelho em sua natureza, não um inimigo – ele existe para fazer o que faz. A natureza de um aparelho eletrônico é determinada quando ele sai da fábrica. A das pessoas é moldada e estruturada no dia-a-dia. Não podemos nos contentar com uma possível natureza que padroniza pessoas de pescoço curvado e que buscam autoafirmação em likes e dancinhas. Não há nada de errado nisso, mas a vida precisa ser mais! Nesse sentido, é importante enfatizar a importância do exemplo e o papel fundamental da família. Ficar sozinho não significa ser só, viver um pouco do presente não significa não pensar no futuro, olhar para dentro não significa ser egoísta. Buscar plenitude e autoconhecimento é um exercício que exige autoanálise e verdadeiras companhias, não é possível ser feliz e se desenvolver quando se constrói um mundo onde tudo o que fazemos rouba um outro bem de inestimável valor; o nosso tempo.
– Graduado em História e Filosofia e especializado em Mídias na Educação, Sociologia, Gestão Escolar e Gestão Estratégica de Pessoas.
Um celular, a solidão e a nova realidade